De anomalias lúgubres. Existo
Como a cancro, a exigir que os sãos enfermem...
Aberração, Augusto dos Anjos
O grotesco sempre esteve presente na História da Literatura e das Artes, antes mesmo de ser conceituado, ou nomeado. Pensemos no teatro grego e vários exemplos deste elemento estético virão à tona. Não faltam acontecimentos e figuras grotescas na Mitologia grega, em que formas disformes e monstruosas protagonizam episódios que representam, de maneira alegórica, a condição humana.
Montaigne é, talvez, o primeiro a transportar o conceito de grotesco da pintura para as letras:
“A aplicação que Montaigne faz do vocábulo surpreende porque começa a trasladar a palavra, ou seja, a passá-la do domínio das artes plásticas ao da literatura. Para tanto, o pressuposto é que ele dê um caráter abstrato ao vocábulo, convertendo em conceito estilístico.”
Será no Romantismo, entretanto, que o conceito de grotesco na literatura configurar-se-á de forma mais bem acabada. Victor Hugo desenvolve uma teoria do grotesco que iluminará os estudos do vocábulo a partir de então. Sabemos que o Romantismo instaura a modernidade nas artes, e, nessa esteira, Hugo aponta a presença inequívoca do grotesco:
“No pensamento dos Modernos, o grotesco tem um papel imenso. Aí está por toda a parte; de um lado cria o disforme e o horrível; do outro, o cômico e o bufo. Põe em redor da religião mil superstições originais, ao redor da poesia, mil imaginações pitorescas. É ele que semeia, a mancheias, no ar, na água, na terra, no fogo, estas miríades de seres intermediários que encontramos bem vivos nas tradições populares da Idade Média; é ele que faz girar na sombra a ronda pavorosa do sabá, ele ainda que dá a Satã os cornos, os pés de bode, as asas de morcego."
Baudelaire, grande ícone da modernidade, enriquece sua poesia de “mil imaginações pitorescas”, e terá em Satã uma devoção religiosa. Não é por outro motivo que Proust aponta que no poeta de As Flores do Mal “o cuidado de ensinar a mais profunda teologia está confiado a Satã”
Lembremos, aqui, o poema “As Litanias de Satã”
Ó tu, o Anjo mais belo e o mais sábio Senhor,
Deus que a sorte traiu e privou de louvor,
Tem piedade, Satã, desta longa miséria!
Alguns Autores
Augusto dos Anjos
Augusto de Carvalho Rodrigues dos Anjos nasceu no engenho Pau d'Arco, Paraíba. De uma família de donos de engenhos, assistiu à decadência da antiga estrutura latifundiária, substituída pelas grandes usinas. Seu pai, bacharel, foi quem lhe ensinou as primeiras letras. Quando estava no curso secundário, Augusto começou a mostrar uma saúde delicada e um sistema nervoso abalado.
Morreu em Leopoldina, MG, vitimado pela pneumonia, com pouco mais de trinta anos. Ainda jovem, os sofrimentos físicos tinham-lhe dado um aspecto senil.
O poeta aspira à morte e à anulação de sua pessoa, reduzindo a vida a combinações de elementos químicos, físicos e biológicos ("Eu, filho do carbono e do amoníaco,"). Tal materialismo o tornava amargo e pessimista ("Tome, doutor, essa tesoura e corte/ Minha singularíssima pessoa"). Contrapõe-se a inapetência para o prazer e um desejo de conhecer outros mundos, onde a força dos instintos não cerceie os vôos da alma ("Quero, arrancado das prisões carnais,/ Viver na luz dos astros imortais").
A obsessão do sangue
Acordou, vendo sangue... — Horrível! O osso
Frontal em fogo... Ia talvez morrer,
Disse. olhou-se no espelho. Era tão moço,
Ah! certamente não podia ser!
Levantou-se. E eis que viu, antes do almoço,
Na mão dos açougueiros, a escorrer
Fita rubra de sangue muito grosso,
A carne que ele havia de comer!
No inferno da visão alucinada,
Viu montanhas de sangue enchendo a estrada,
Viu vísceras vermelhas pelo chão ...
E amou, com um berro bárbaro de gozo,
o monocromatismo monstruoso
Daquela universal vermelhidão!
Acordou, vendo sangue... — Horrível! O osso
Frontal em fogo... Ia talvez morrer,
Disse. olhou-se no espelho. Era tão moço,
Ah! certamente não podia ser!
Levantou-se. E eis que viu, antes do almoço,
Na mão dos açougueiros, a escorrer
Fita rubra de sangue muito grosso,
A carne que ele havia de comer!
No inferno da visão alucinada,
Viu montanhas de sangue enchendo a estrada,
Viu vísceras vermelhas pelo chão ...
E amou, com um berro bárbaro de gozo,
o monocromatismo monstruoso
Daquela universal vermelhidão!
Mário de Sá Carneiro
Escritor português, natural de Lisboa. A mãe morreu quando Sá-Carneiro tinha apenas dois anos e, em 1894, o pai iniciou uma vida de viagens, deixando o filho com os avós e uma ama na Quinta da Victória, em Camarate.
Matriculou-se na Faculdade de Direito de Coimbra em 1911, mas não chegou sequer a concluir o ano. Iniciou, entretanto, a sua amizade com Fernando Pessoa e seguiu para Paris, com o objectivo de estudar Direito na Sorbonne. Na capital francesa dedicou-se sobretudo à vida de boémia dos cafés e salas de espectáculo, onde conviveu com Santa-Rita Pintor e escreveu, de parceria com António Ponce de Leão, em 1913, a peça Alma. Em 1914, publicou A Confissão de Lúcio (novela) e Dispersão (poesia).
Sá-Carneiro suicidou-se, com vários frascos de estricnina, a 26 de Abril de 1916, num Hotel de Nice, suicídio esse descrito por José Araújo, que Mário Sá-Carneiro chamara para testemunhar a sua morte. Deixou a Fernando Pessoa a indicação de publicar a obra que dele houvesse, onde, quando e como melhor lhe parecesse.
Como escritor, Mário de Sá-Carneiro demonstra, na fase inicial da sua obra, influências do decadentismo e até do saudosismo, numa estética do vago, do complexo e do metafísico. Aderiu posteriormente às correntes de vanguarda do paúlismo, do sensacionismo e do interseccionismo, apresentadas por Fernando Pessoa. O delírio e a confusão dos sentidos, marcas da sua personalidade, sensível ao ponto da alucinação, com reflexos numa imagística exuberante, definem a sua egolatria, uma procura de exprimir o inconsciente e a dispersão do eu no mundo. Este narcisismo, frustrada a satisfação das suas carências, levou-o a um sentimento de abandono e a uma poesia auto-sarcástica, expressa em poemas como Serradura, Aqueloutro ou Fim, revendo-se o poeta na imagem de um menino inútil e desajeitado, como em Caranguejola. A sua crise de personalidade, que se traduziu no frenesim da experiência sensorial e no desejo do extravagante, foi a da inadequação e da solidão, da incapacidade de viver e de sentir o que desejava (veja-se o poema Quase), que o levou a uma tentativa de dissolução do ser, consumada na morte.
Álcool
Que droga foi a que me inoculei?
Ópio de inferno em vez de paraiso? ...
Que sortilégio a mim próprio lancei?
Como é que em dor genial eu me eternizo?
Nem ópio nem morfina. O que me ardeu,
Foi álcool mais raro e penetrante:
E só de mim que ando delirante-
Manhã tão forte que me anoiteceu.
Que droga foi a que me inoculei?
Ópio de inferno em vez de paraiso? ...
Que sortilégio a mim próprio lancei?
Como é que em dor genial eu me eternizo?
Nem ópio nem morfina. O que me ardeu,
Foi álcool mais raro e penetrante:
E só de mim que ando delirante-
Manhã tão forte que me anoiteceu.
Fontes:
www.letras.ufrj.br/ciencialit/ensaios/novos.../ensaio_o_grotesco.doc
http://educacao.uol.com.br/biografias/augusto-dos-anjos.jhtm
http://www.revista.agulha.nom.br/augusto02.html#sangue
http://www.astormentas.com/biografia.aspx?t=autor&id=M%C3%A1rio%20de%20S%C3%A1-Carneiro
http://www.astormentas.com/carneiro.htm
http://educacao.uol.com.br/biografias/augusto-dos-anjos.jhtm
http://www.revista.agulha.nom.br/augusto02.html#sangue
http://www.astormentas.com/biografia.aspx?t=autor&id=M%C3%A1rio%20de%20S%C3%A1-Carneiro
http://www.astormentas.com/carneiro.htm
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Ótimos autores, deveria ser Lautréamont ai...
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