Olá galera Sinistra, estive ausente por um tempo porque estou sem internet (estou no trabalho inclusive), espero que estejam gostando dos posts dos demais colaboradores!!
Trago hoje um conto escrito pelo mais novo colaborador, o Sidney Muniz, ele irá disponibilizar seus contos para serem publicados aqui no Sinistro ao Extremo. Para conhecer mais sobre seu trabalho é só clicar aqui.
A ardente Janaina (por Sidney Muniz)
Aquela era só uma noite amena. O orvalho caia silenciosamente enquanto o crepúsculo era abrilhantado pelas estrelas. A lua não havia aparecido para nos beijar, mas eu sabia que como em todo maldito romance ela ainda daria as caras.
Eu caminhava a passos tortos pela calçada, incerto de meu destino. Era como se ela me conduzisse. A abraçava, a beijava e a cada beijo me embriagava. Éramos só nós dois, eu e Janaina.
Ela me cegava, deixava minha visão turva e meu consciente inconscientemente não existia. Mas aquilo era amor? Era essa a pergunta que eu sempre fazia nas noites anteriores àquela. Noites em que Janaina me dominava. Mas amor próprio algum existia em mim. Ela maltratava minha mente, molestava meu interior e todo meu corpo, e o que eu podia fazer se sem ela já não podia viver mais?
Gostava de sua cor, seu cheiro já estava impregnado em mim e eu a queria á todo momento. Era uma fome, uma sede insaciável. Por fim, já não havia dia, tarde ou noite em que não estivéssemos juntos. Ela era ardente. Parecia um conto de fadas, felizes para sempre, e que se dane o resto do mundo, que se exploda toda porra do mundo.
Era apenas eu e ela. Eu, um homem frustrado com sua família anterior, mas agora tinha tudo que queria. Janaína apenas se contentava em me satisfazer, e era assim, uma troca, eu dava minha vida para tê-la e ela me seduzia diabolicamente, como se fosse uma voz em meu subconsciente dizendo a todo instante:
“Possua-me, sorva-me, beije-me e molharei teus lábios com todo mel de minha essência, te darei todo meu prazer, todo meu delírio, serei seu vicio, serei sua inspiração.”
E eu a tinha, e ela me possuía.
A lua enfim brotou em meio às nuvens, feito uma semente de feijões mágicos, como na fábula, e meus olhos contemplaram toda sua beleza. Eu continuava a caminhar abraçado a Janaína, dançando na escuridão, quando de repente os vi lá, acesos como dois postes esperando que eu trombasse neles. Dois homens prontos para me roubar.
Eles estavam parados bem a minha frente, os marginais que a queriam tirar de mim. O que eles fariam com ela? O que eles ainda queriam comigo? Dois jovens trajando roupas de grife, tinham cabelos lisos e negros, os olhos eram rasgados e suas silhuetas tão semelhantes à de seu pai, um homem que se fora há tanto tempo. Porém o mais jovem tinha um olhar mais sombrio, mais triste, já o mais velho e mais alto, me fitava com um sorriso quase ingênuo, mas eu sabia que ele nada mais era que um bastardo. Um Fiat Stilo estava parado cerca de cem metros deles. Eram somente dois garotos, e eu os conhecia muito bem, ainda que não pensasse neles há muito tempo.
Olhei nos olhos do mais alto e vi a lágrima que tentava esconder toda tristeza e repulsa dele na direção de minha fiel acompanhante. Ele queria que eu a abandonasse. O mais novo mantinha-se firme e me olhava com certo desprezo, talvez porque minhas roupas estivessem sujas e meus pés descalços, ou quiçá por meu cheiro de esgoto. Eu agora nada mais era que um mendigo, um louco, um idiota qualquer.
Estava abraçado a Janaina, era um alcoólatra, um homem que tinha vergonha de ser pai de um homossexual, o meu filho mais velho. Eu era apenas isso, nada mais. E lá estava ele olhando para mim com o olhar compreensivo que herdara da mãe (a única mulher que eu havia amado na vida), enquanto o meu filho mais novo aparentemente me condenava, com os olhos sombrios e cheios de vergonha.
Olhei para ela, a morena de vestido vermelho ousado, decote atrevido e cabelos encaracolados, um sorriso matreiro e sedutor, sentada, convidativa, o corpo ardente como a própria bebida a qual eu usava de combustível para queimar toda tristeza, dor e arrependimento que havia em meu peito. Eu olhava para garrafa de pinga que estava na minha mão e via o rótulo, e via Janaína, mas ela permanecia calada.
- Vamos pra casa pai! – O mais velho me chamou com um olhar doce, com um sorriso e se aproximando de mim. Era Claudio, o meu filho que há tanto tempo eu havia desistido de amar, por simplesmente não entender o que diabos havia com ele para gostar de outro homem. Olhei para ele, ainda cambaleante fixei os olhos e vi Jefferson logo atrás. Meu filho mais novo olhava para mim, mas eu tinha certeza. Aquilo não era ódio, não eram sombras, e finalmente o enxerguei. Ele estava triste. Ele se aproximou mais.
- Viemos te buscar papai – Jefferson não resistiu e pausou enxugando as lágrimas em meio aos soluços incontidos que escapavam cheios de sentimento – Está na hora de ficarmos todos juntos. – Ainda bêbado, ainda sóbrio, eu os olhava perdido em meio aquela baderna de informações. Que merda ele estavam fazendo ali? Por que correr atrás de um velho cachaceiro que os abandonara?
- Te perdoamos pai e principalmente nós te amamos! – Disse Claudio. E então eu o vi, era o homem no Stilo, o namorado de meu filho, com as mãos sobre o volante do carro e os olhos tais quais os de uma coruja observando-me atentamente. Era um homem moreno, de baixa estatura, estava mudado, parecia ser um homem de mais atitude agora. Lembro-me bem do dia que os peguei aos garros naquele maldito parque.
- Por quê? Já se passou um ano! Não posso aceitar vocês dois! Isso, isso é ridículo, é humilhante! – Eu o disse sentindo que minha língua e boca mal acompanhavam as ordens de meu cérebro. Estavam dormentes como a maior parte de meu corpo, eu estava zonzo. – Vocês escolheram seus caminhos, assim como eu.
- Eu sei pai, mas a culpa não é sua – Claudio disse pacientemente – E é por isso que estamos aqui. Mamãe precisa de você, e Jefferson também. – meu filho disse com um lindo sorriso. Os olhos iluminados pela lua, enquanto as lágrimas lavavam seu rosto já tão feminino, tão dele. Eu sabia que aquela maldita lua iria me sacanear.
- Não consigo entender! – Eu disse confuso enquanto o farol do Stilo piscou e veio a toda em minha direção. O ronco do motor parecia o de uma besta fera louca para me matar. Eu não tinha reflexo, estava anestesiado pela enorme quantidade de álcool que havia absorvido. Na tentativa de correr senti meu joelho dobrar impulsivamente e caí desgraçadamente sobre o calçamento irregular da rua. Bati com minha boca no meio fio e senti o sangue nascer entre meus dentes. Por reflexo passei a língua sobre o local dolorido e senti a falta de um pedaço de meu dente incisivo. Voltei os olhos para o chão e lá estava ele. Pude ainda ver meus filhos estendendo-me a mão e por detrás deles eu enxerguei os olhos diabolicamente vingativos de Carlos, o amante de meu filho e foi nesse momento que me lembrei de tudo.
Eu os peguei aos beijos e aquilo era algo imundo, depravado e insano. Dois homens se beijando. Eu segui meu filho achando que estivesse em uma enrascada. Ele podia estar se envolvendo com uma mulher casada, ou uma garota de menor. Seu comportamento era cada vez mais suspeito, mas não, eu descobrira algo pior que isso. Cláudio era gay. Meu Deus, aquilo eu não podia aceitar. Abri o porta malas e apanhei a maldita chave de rodas. Eu ia matar aquele desgraçado.
Aquela foi à coisa mais nojenta que vi na vida. As bocas deles se encontrando, as línguas deles depravadamente se cruzando enquanto a saliva parecia uni-las, eles se acariciavam simultaneamente, as mãos tocando seus corpos como se fossem uma casal de namorados normais. O pior foi ver o volume na calça de Cláudio, mostrando toda sua excitação enquanto ele segurava em uma de suas mãos o pênis ereto de seu amante que saltava para fora do zíper da calça jeans preta, massageando-o impulsiva e freneticamente. Corri até ele enojado e Claudio me reconheceu, ficando abruptamente apavorado.
- Pai?? – Ele disse pasmo enquanto o outro me olhava de olhos arregalados e lábios molhados. Aquilo me cegou ainda mais.
Enquanto eu ia de encontro a eles o garotão tentava colocar seu pênis ainda ereto para dentro da calça, desastrosamente. Avancei contra ele e preparei-me para acertar-lhe a chave quando meu filho pulou na frente recebendo o golpe bem na nuca. Um baque e ele caiu aos meus pés. Aquilo foi o bastante para que eu soltasse a chave e antes que o metal caísse no chão eu estava com Cláudio nos braços. Ele sorriu para mim, mas não falou nada, simplesmente seus olhos pararam vegetativos, mórbidos e eu senti que seu coração já não batia mais. Ele morreu antes que eu pudesse fazer algo.
O garoto me olhou com os olhos vermelhos, pegou a chave de rodas e ameaçou vir em minha direção. Dei-lhe um soco no rosto e ele caiu para trás, sentado, de bunda na grama rasteira que estava sob nossos pés. Olhou para mim, amaldiçoou – me com um olhar maléfico. Eu revidei com um olhar insano e ele engatinhou de costas dando dois passos para trás, num misto de pavor e ódio. Carlos levantou-se e correu entre lágrimas. No calor do momento entrou no pálio prata de meu filho, e saiu em disparada, fugindo dali.
O que eu podia fazer? Olhei para os lados, aquele lugar estava deserto. Peguei a chave de rodas e saí sem despedir-me de meu filho. Tomei um caminho diferente e mais perigoso de volta para casa. Após dez minutos de trânsito pacato, parei em frente a meu antigo local de trabalho. Um posto de gasolina desativado que ficava a frente de um ferro velho. Bem ali tive minha primeira oficina mecânica. Lavei minhas mãos no tanque velho e imundo que ficava ao lado de um banheiro inutilizado. O breu tomava todo aquele local. Senti o cheiro da água podre descendo direto da caixa que ficava acima da laje do banheiro e podia até sentir a viscosidade do lodo que descia pelos canos. Terminando de lavar as mãos me dirigi na direção da cerca de tela que separava o posto do ferro velho. Pulei a grade, subindo entre os vãos dos arames e caí do outro lado pisando firme sobre a terra batida. Olhei para a enorme pilha de sucata a minha frente, me aproximei dela, me abaixei e desloquei alguns entulhos e ferros, colocando a chave por debaixo deles. Saí dali e segui em direção a minha casa.
Ao chegar, guardei o carro na garagem, entrei e descobri que Jefferson havia dormido de frente a TV assistindo o programa “A Grande Família”. Vi de relance Lineu e Augustinho discutirem por algum motivo, mas não tinha cabeça para aquilo. Peguei meu filho nos braços e o carreguei para sua cama. O cobri e fui até meu quarto, naquela noite mal fechei os olhos. As horas passaram lentas e melancólicas.
Na manhã seguinte a segunda coisa que fiz foi ir acordar Jefferson.
- Ei filhão, ora da escola rapa! Levanta e chama o preguiçoso do Cláudio. – Eu o disse enquanto ele cobria sua cabeça. Desci até a cozinha e olhei para mesa de café, a mesma que a pouco havia feito como sempre fazia todas as manhãs.
Três pratos com três torradas. Uma em cada. Eu e Jefferson sempre bebíamos café, mas Cláudio gostava de suco de laranja, ou de manga, natural e bem gelado. O copo dele esta lá, no mesmo lugar de sempre, duas pedras de gelo como ele pedia e eu nem sabia o porquê de ter feito aquele maldito suco.
Foi então que a vi, a morena desenhada no rótulo. Havia ganhado aquela garrafa de um primo meu no ultimo Natal, mas eu não bebia há tempos. Era uma pinga muito boa. Seu nome era Janaina. Até então eu a usava para temperar a carne, isso era um costume antigo que herdara de minha querida Julia. A peguei, a olhei e rodei a garrafa vagarosamente em minhas mãos, e coloquei um pouco no copo. Virei à pinga de uma vez só e ela entrou ardente por minha garganta. Guarde-a e chorei. Ainda olhando para mesa me surpreendi com a chegada de Jefferson.
- Pai, ele não está lá, o Cláudio não dormiu lá pai! – Jefferson estava assustado, confuso e receoso. Também pudera, Cláudio nunca dormia fora, era um garoto super responsável. Ele me viu chorando, mas de certo imaginou que como sempre estivesse pensando em sua mãe e disfarçou.
Assim que ele falou peguei meu telefone e liguei para Cláudio, mas nas várias vezes que liguei o telefone caiu na caixa postal. Enfim ligamos para policia e fiz o boletim de ocorrência registrando o desaparecimento dele. Tinha vários conhecidos que já haviam concertado seus carros comigo. Após seis horas recebemos a visita de dois policiais. E eu sabia bem o que eles queriam me dizer.
- O sargento Pedro olhou para mim, me conhecia muito bem. Sabia o quanto eu havia sofrido com a doença de minha esposa. Eu gastei todo meu dinheiro tentando salvá-la de um maldito câncer. Perdi minha oficina, meu posto e meu ferro-velho. Agora eu era apenas um mecânico que fazia bicos por aí tentando sobreviver e sustentar seus dois filhos. Ele me olhou e me disse:
- Achamos o carro dele a dez quilômetros do parque, não foi levado nada. Recebemos a informação de que duas crianças haviam encontrado o corpo de um jovem com uma ferida na nuca, caído perto do parque municipal. – Ele me olhou nos olhos e eu olhei para Jeff, os olhos dele estavam afogados nas lágrimas que gritavam para saltar em queda livre. – Sinto muito Ivan, mas seu filho está morto. – Aquele foi o pior momento daquele dia. Jefferson não se conteve e atacou o policial, dizia que ele estava mentindo.
Lembro-me do próprio policial chorar de pena de meu filho e de mim. Eu chorava apenas por Jefferson, pois algum sentimento em mim bloqueava qualquer relação que tivesse com Cláudio, qualquer laço afetivo, até mesmo o fato de saber que ele era acima de tudo meu filho.
Os dias passaram, eu tentava fazer algo para ajudar Jeff mas não conseguia. Eu só queria Janaina. Queria beber, esquecer de tudo. Enquanto isso Jeff se afundava em antidepressivos, calmantes e em uma porção de outros remédios, ele estava só, pois eu o havia abandonado.
Jefferson já tinha me pedido para parar de beber, mas eu não conseguia, era um fraco. As nuvens carregadas acabariam por desabar sobre nós, as lágrimas de Jeff evaporaram-se com o tempo, e ele se trancafiou dentro de si mesmo. Tudo era tão monótono sem Claudio. E eu começava a sentir falta de meu filho, mas aquele era um caminho sem volta.
E eu estava cometendo o mesmo erro com Jeff, e então resolvi acertar as coisas entre nós. Certo dia comprei flores para levarmos ao cemitério, pois fazia um ano que Cláudio havia morrido e eu estava decidido a contar a verdade para meu filho e também queria pedir perdão para Cláudio.
Cheguei em casa mais cedo do trabalho, sabia que não seria uma tarefa fácil e que possivelmente ele nunca mais olharia para mim, mas a verdade tinha que ser revelada. Naquele dia não havia bebido uma gota sequer, entretanto o cheiro de Janaína ainda permanecia em mim. É assim com a cachaça, o efeito passa, mas o cheiro permanece por mais tempo.
Subi até o quarto enquanto meu coração me dizia algo, algo que eu não conseguia decifrar. Certamente pensei que era a ansiedade aliada ao receio de revelar aquele maldito segredo. Abri a porta do quarto após bater e não obter resposta alguma.
O tempo pareceu passar em câmera lenta naquele curto momento, e eu ouvi o ranger displicente da porta escandalosa que me denunciava. Esperei um berro como resposta mas o silencio chegou como uma agulha espetando minha pele. Quando olhei para dentro do quarto a imagem torturante que chegou como uma bala a minha mente fez com que eu fechasse os olhos e os abrisse depois de alguns segundos, segundos esses em que pedi a Deus (se ele ainda estivesse me ouvindo) para que aquilo tudo fosse uma alucinação causada pelo álcool dos dias anteriores.
Abri os olhos novamente e lá estava ele, meu filho, deitado nu sobre sua cama, estava na posição fetal como se pedisse ajuda a sua mãe de dentro do ventre dela, Jeff abraçava a foto de seu irmão. Mas aquilo era a parte mais poética da história, pois o horror estava expresso em sua face, seus olhos estavam presos, inertes, mórbidos, fitando a escuridão de um corpo sem alma, olhando diretamente para o seu fim, e sua boca estava cheia de espuma, babada, uma baba esverdeada, enquanto uma de suas mãos pendia do lado da cama denunciando as cartelas vazias dos comprimidos esverdeados que estavam caídos pelo chão, os mesmos que ele tomara para se envenenar. Três cartelas que custaram sua vida. Jeff se suicidara.
Caí de joelhos, e as lagrimas atravessaram as barreiras de meus olhos, levando embora toda minha esperança, amor e compaixão. Naquele momento eu tive certeza que Deus me abandonara. Daí em diante só restamos eu e Janaína.
Não me lembro de muita coisa, vi Janaina se quebrar no chão, sendo esmagada pela roda do Stilo e senti meus ossos se quebrarem, senti toda a dor, mas eles estavam comigo, meus filhos vieram me buscar. Segurei as mãos deles e senti uma leveza incrível no corpo, a luz estava cada vez mais forte. Mas um calor imenso começava a se aproximar. Aquela não era uma luz comum, era algo parecido com fogo, labaredas enormes, que a cada vez que se aproximavam queimavam minha alma.
Olhei para meus filhos e eles balançaram negativamente a cabeça.
- Estou indo para o inferno? – Perguntei sabendo que sim. Mas havia algo que não entendia. Por que eles estavam ali? Claudio me olhou nos olhos enquanto Jefferson parecia perdido, e isso era o que havia acontecido, ele morreu antes da hora, agora aguardava vagando por aí até o dia em que sua alma encontrasse descanso.
- Escolhemos isso meu pai. Não há céu, não há paraíso, não há paz com o senhor aqui. – Caí de joelhos perante meu filho, senti as chamas fritarem minha alma, uma dor imensa me tomou, e então o pedi perdão.
- Me perdoe querido, eu fui um tolo, um preconceituoso, e onde isso me levou, e olha o que fiz com vocês. Eu amo você, independentemente do que seja. Me perdoe!
- Eu nunca briguei com você pai, e nunca te abandonamos. – Naquele momento as chamas nos cercaram e demônios surgiram rugindo, uivando, batendo suas asas e revelando seus corpos vermelhos e queimados. Um terrível cheiro de enxofre chegou podre à nossas narinas e nos vimos cercados. Claudio e Jeff me abraçaram e senti que nada mais importava, nada senão meus filhos e minha família. E nesse momento eu soube que Deus estava comigo.
Fechei meus olhos e esperei que fosse feita a sua vontade. Senti uma mão pousar iluminada, macia, mágica sobre minha cabeça. Olhei para cima, senti o perfume de rosas e enxerguei as asas douradas, um brilho especial enfeitava os olhos azuis daquele anjo. Ela sorriu para mim e sua luz fez com que os demônios se afastassem. Era minha Julia, minha amada dando-me a mão e sorrindo para mim.
- Estamos te esperando há muito tempo – ela me disse com aquela mesma voz compreensiva suave e doce de sempre – e ficaremos juntos. Não se atrase meu amor. – Ela encostou a mão em minha cabeça e me deu um empurrão, senti meu corpo descer e caí com a cabeça no chão. A dor veio ligeira e então abri os olhos. Meu dente estava lá, quebrado, e o Stilo bem na minha frente, parado a centímetros de mim enquanto Carlos chorava de pé. Levantei- me com certa dificuldade e caminhei até ele, aquele foi o momento mais sóbrio da minha vida. O abracei enquanto ele chorava. Era apenas um garoto, e ele precisava de mim.
- Eu não posso te matar! Você é o pai dele! – Ele dizia repetitivamente.
- A lua está linda não é? – eu o interrompi olhando para a lua.
- Cláudio achava a lua minguante realmente linda, como um feijão mágico. Você que contava essas histórias pra ele né? Ele dizia que sonhava com elas desde criança. – Ele me revelou enquanto continuava a chorar. Olhei para o garoto e percebi que ele não era um frangote, era um homem.
- É, eu falava isso pra ele, como num sonho. Mas agora é ele quem fala comigo, como em um conto, um lindo conto de fadas. - Daquele momento em diante eu entendi que ser homossexual não é deixar de ser homem, é apenas ser um homem diferente, com idéias e gostos diferentes.
Olhei para o chão e lá estava ela. Janaina estava inteira e ali ficaria, pois eu precisava concertar algumas coisas. E a primeira delas era entregar para a justiça o assassino preconceituoso que matara meu filho.
Bem legal, interessante, conseguiu me prender na leitura até o fim.
ResponderExcluirIncrivel!! Adorei!
ResponderExcluirExcelente conto.
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