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DESCIDA AO INFERNO

Eu já não tinha mais energias para me levantar de minha própria cama. O meu quarto estava totalmente desarrumado, as gavetas dos armários abertas, as roupas espalhadas pelo chão, algumas queimadas por cinzas de cigarro, outras embebidas de álcool e de vômito. Uma garrafa de whisky Grants pairava, quase vazia, sobre o carpete encardido e esburacado do que chamava “minha habitação”. Não me lembro ao certo, mas acho que chamei uma prostituta na noite anterior para me fazer um pouco de companhia. Tenho a vaga lembrança de uma morena, com um rosto até simpático, que insistia em que eu me cuidasse mais, que a vida não merecia ser desperdiçada da forma como eu o fazia. Quem era ela para me falar sobre a vida e seu desperdício, quem era ela para me dar uma lição acerca de como deveria encarar o meu dia-a-dia....afinal, não me prostituo para viver, não fico mostrando o traseiro nas encruzilhadas dos bairros do Rio de Janeiro ou de São Paulo para ganhar alguns trocados.


O mais curioso é que não sei ao certo se essas minhas palavras são fruto de um sonho ou da realidade do meu pensamento, de minha consciência. No meu sonho, sou pobre, decadente, talvez padecendo de alguma doença venérea incurável, contraída num momento de bebedeira excessiva..isso mesmo, de excesso de bebida, pois sou um alcoólatra, pelo menos nos meus sonhos. Entretanto, tudo parece ser demasiado concreto, apreensível, material para ser um sonho.

Se esse estado em que me encontro é real, então estou no fim, não há saída...estou vivendo um inferno, sem cura, sem remédio, sem perdão. Não pensem que não tentei mais de uma vez mexer meus membros ou tentar mover meus braços em direção ao telefone para pedir ajuda. Meu corpo não responde mais aos meus impulsos cerebrais, estou paralisado, porém minha mente ainda funciona, ainda que de forma muito caótica, em meio a um turbilhão de alucinações.

Então é assim a descida para o inferno...? Devo estar a caminho dele...no entanto, se fosse o caso, não deveria já estar sentindo as chamas das trevas queimarem as extremidades de meu corpo putrefato ? Sim, putrefato, pois posso sentir o odor nefasto invadindo cada canto de meu apartamento abandonado. Preciso descrever esse momento, preciso registrar a sensação de agonia e de absoluto desamparo que se está apoderando de mim neste instante. Eu estou morrendo, não há, como já mencionei, mais forças no meu corpo, sinto o frio se mesclar ao calor, o sangue se esvaindo de meus poros, e gotas de suor frio escorrendo pelas minhas têmporas....

Acredito que as últimas palavras que processei em minha memória foram as dessa prostituta, que passarei a apelidar de Marta. Talvez esse tenha de fato sido seu verdadeiro nome, talvez ela quisesse realmente o meu bem, talvez fosse a última pessoa no Mundo a sentir alguma compaixão pela minha infelicidade.

Esperem um momento....estão batendo à minha porta....os meus membros estão recuperando seu vigor....não estou me sentindo tão mal assim, posso até me levantar, lembrar de meu nome...sim, do meu nome, que é Antônio...que alívio, que bênção estar vivo...era de fato um pesadelo. Todo esse sangue, essa morte, essa fraqueza, a Marta....o whisky, tudo ilusão de minha cabeça. Eu estou vivo, vou até ligar a televisão para provar isso a mim mesmo...ahhhhh, as notícias, é o Globo Repórter, estão anunciando algo de muito sério, ao que tudo indica. Mmm...mas o que será isso, parece ser a minha foto, estão falando de mim, estão fazendo uma reportagem sobre mim...a manchete é muito clara: “Antônio Menezes, Carioca, 10a Vítima Fatal de Retirada e de Tráfico de Órgãos”.

Fonte: Contos de Terror

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